Espetáculo que recria para a linguagem da dança a peça de teatro Nô Hagoromo, de Motokiyo Zeami (1363-1443).

“Hagoromo” pode ser resumido como um grande haicai ou um poema dançado que apresenta em seu enredo, quase sem ação, duas personagens: Hakuryo, um pescador de coração pétreo da Baía de Miho, e Tennin, anjo budista que vem recuperar Hagoromo, o manto divino sem o qual não poderá retornar ao céu. Após tristes súplicas do anjo agonizante, o pescador se comove e resolve devolver-lhe o objeto precioso. Mas antes, Tennin deverá lhe conceder uma dança com seu manto celestial.

Sem se ater às convenções ou ao estilo do Teatro Nô, esta montagem recria a atmosfera lírica de Hagoromo a partir do conceito de yûgen, fundamental na estética de Zeami. Alguns estudiosos já traduziram os ideogramas originais desta palavra por “elegância”, “charme sutil”, “algo sombrio, misterioso e obscuro”, mas, segundo Yasunari Takahashi, num estudo semiótico, o que o termo realmente implica é a beleza crepuscular, antes que o terror e o desespero da extrema escuridão. Esse crepúsculo seria para Zeami uma metáfora da mente atenta no seu mais profundo grau.

O trabalho retoma a pesquisa de linguagem do corpo desenvolvida por Emilie Sugai, que concebe e interpreta as duas personagens desta trama: pólos distintos, o feminino e o masculino, o sagrado e o profano, a leveza e a densidade. E marca o seu encontro com a pesquisa estética do diretor Fabio Mazzoni, onde a palavra torna-se movimento corporal emergido de um denso contraste entre luzes e sombras.

Com poucos recursos cênicos e simplicidade de objetos e figurinos, o espetáculo utiliza apenas um refletor – e o silêncio elevado ao seu limite. Desse modo, os criadores acreditam traduzir para a dança toda a sutileza e amplitude da tapeçaria de imagens que Hagoromo pode suscitar.

Hagoromo, o Manto de Plumas vem à cena em 2008 recriado por dois brasileiros. Emilie Sugai e Fabio Mazzoni lançam um desafio de expressividade: revelar, em linguagem dançada, algo enraizado em fontes religiosas, lendárias e míticas; e questionar, a partir da antiga fábula de um pescador agraciado com a dança de um generoso anjo, se o coração do homem contemporâneo está aberto à manifestação da divindade.

Ficha Técnica

Coreografia e interpretação: Emilie Sugai
Direção: Fabio Mazzoni
Participação: Rodrigo Ramos ou Cícero Mendes
Espaço cênico: J.C. Serroni
Figurinos: Telumi Hellen
Iluminação e trilha sonora: Fabio Mazzoni
duração aproximada de 45 minutos