Em Ivinhema – Alan Minas
Alan Minas
Eram noites abafadas e claras, dias quentes. Em Ivinhema, Mato Grosso do Sul, a eternidade parecia resistir ao tempo. A distância do lugar configurava-se condição ideal para experienciar arte, seus alumbramentos. A apresentação do espetáculo Lunaris se deu à confirmar tal ideia, a folhear no público outras noites. Incontáveis olhos de estrelas iluminavam os rostos, que em inesperado encanto se acendiam, cadentes e profusos em improvisado céu. O privilegiado público regozijava à espreita de tal experiência, de um olhar realocado para estreiantes e ancestrais referências. Lunaris reinventava o mundo.
A dançarina Emilie Sugai empresta seu talento para desenhar um espetáculo sutil e impactante, constrói um novo tempo e espaço, um outro lugar. Nos primeiros passos da apresentação, a irrecusável proposta já é clara, aponta a intrigante teia para onde somos levados. Irrefutável transe. Instaura novos sentidos e percepções, um tempo fora do tempo. Onde se reaprende a olhar, a pensar.
No caminho engendrado por Sugai, a constante dissecação de formas e plasticidades exploradas, acontecem em insuspeitado esbanjamento de criatividade e encanto. Imiscuem-se ao que já existe e nos cerca. A poesia torna-se cor, gestos. E se espraia no ar comum. A realidade não suporta seu peso, cede às novas verdades, segue a se reinventar em um ciclo interminável de belas e excitantes imagens. O caos inerente revela a finitude, mas ao mesmo tempo gesta um novo sentido, um semear. É o mundo em um incansável giro pelo palco, perpassando seus ciclos vitais. A unicidade e incompletude propostas pelo espetáculo traduzem a premissa do butoh, a angustiante e sedutora pulsação da vida, que transita na linha tênue de sua potencialidade. Ele rompe e nos reconecta ao que nos cerca. A sensível e generosa direção de Joel Pizzini vem à reafirmar tais premissas, permite inteira liberdade para a atriz. Conduz de forma segura o intrigante jogo cênico da dupla, confluindo elementos básicos em uma rica dinâmicas de opostos. Sombras e luzes, tensões e sutilezas, que por suas naturezas distintas traçam de maneira precisa o diverso mapa onírico do espetáculo.
A dança desperta o olhar da contemplação, desperta o sagrado que nos habita. Ela se inicia sem tempo para acabar. Lunaris é um doce convite para regrassarmos à nossa casa. Um doce convite para voltarmos a nos habitar.