Totem 11

Totem – Maria Helena Grembecki

Espetáculo de dança-teatro, que estreou no evento Dança em Pauta-2004,com patrocínio do Centro Cultural Banco do Brasil.

A partir do título já podemos esperar  que o espetáculo terá como ponto de partida, no caso, um animal, considerando como ancestral seu símbolo  de uma coletividade (tribo,clã), sendo por isso protetor dela e objeto de tabu e deveres particulares.

Dividido em 4 ritos, que tem como títulos:
Rito  1  :   Aurora/Sacrifício/Passado e Futuro juntos
Rito  2  :   Fertilidade
Rito  3  :   Uma Flor/em ritmos
Rito  4  :   Purificação

A primeira parte ocupa a posição central em que se colocará a TESE a ser desenvolvida pelo espetáculo. Ela mostra, através de cenas filmadas , o ritual de uma tribo no sacrifício de um animal, que lhe servirá de alimento. Evidencia-se, na cena o tratamento cuidadoso para com o animal a ser sacrificado, que envolve a presença de todos os que fazem parte daquela coletividade, homens, mulheres, crianças, bem diferente da matança indiscriminada de animais, conforme se verifica nas grandes cidades. Sobre isso, Joseph Campbell observa: (…)”Mas hoje vivemos em cidades. É tudo pedra e rocha, manipulados por mãos humanas. Você vive outro tipo de realidade quando cresce lá fora, no meio da floresta, ao lado de pequenos esquilos e das grandes corujas. Todas essas coisas estão ao seu redor como presenças, representam forças, fazem parte da vida e lhe franqueiam o caminho da vida. Então você descobre tudo isso ecoando em você , porque você é natureza.”(p.98)

E, mais adiante, considerando a diferença entre o sacrifício de um animal e um vegetal, nos faz ver que “um animal é uma entidade total contida dentro de uma pele. Quando você mata um animal, ele está morto — é o seu fim. Não existe no mundo vegetal, nada parecido com um indivíduo contido em si mesmo. Quando se corta o talo de uma planta, uma nova planta surge. A poda é benefica à planta. (…) Se você corta uma parte do animal —-a menos que seja um tipo especial de lagarto —- ele não volta a crescer.

Assim, nas culturas da floresta e do plantio , existe uma noção de morte que, de algum modo, não é propriamente morte, pois a morte é necessária à nova vida.” (pp.108/107) A música que acompanha essa proposição inicial é primitiva, mais rítmica que melódica  e a dança vai revelando os contrastes entre o humano e o animal, o presente e o passado contidos num mesmo objeto/espaço, como a indicar a imutabilidade do “modus vivendi” das populações primitivas.

Ao final dessa primeira parte, como que anunciando a mudança que ocorrerá na 2ª parte, introduz-se um som de piano, melódico, que logo será sobrepujado pelo som primitivo que caracterizou essa parte, apenas para marcar e colocar em destaque a questão da sobrevivência, ligada à tese do  sacrifício. Na dança, surge o movimento e novamente o dualismo é colocado através dos sentimento opostos de sofrimento/felicidade.

Sobre isso, Campbell afirma : ” O deus da morte é ao mesmo tempo o senhor do sexo” e , em seguida, acrescenta : ” É preciso haver morte para que haja vida”, antes de concluir que “a menos que haja morte, não pode haver nascimento. O significado disso é que cada geração deve morrer para que a seguinte possa surgir. Assim que dá origem a uma criança, você se torna aquele que deve morrer”. (p.116)

A segunda parte do espetáculo é marcada por uma mudança radical na música, que se torna agora sofisticada, na forma de um  ” Lied” alemão, marcando a ANTÍTESE para a qual o espetáculo nos leva. O figurino também se torna elaborado cheio de flores, babados, transparências, levando o espectador um aspecto formal oposto ao que vinha sendo apresentado até aqui : saímos de um universo primitivo a outro, mais abstrato, rendilhado, evidenciando a clara oposição dos conteúdos.

Na terceira parte, o ritmo é de batuque, o que leva o espectador de um ritual primitivo (carne vale = festival da carne) por uma comunidade civilizada. É uma festa religiosa/pagã, cuja existência permite a liberação dos gozos da carne e que precede os 40 dias de restrições gozosas da quaresma, marcada por jejuns e orações. Dessa forma, o espetáculo encontra a SÍNTESE entre a tese inicial de sacrifício/sobrevivência e sua antítese de civilização sofisticada que a precederam.

O final da terceira parte é marcado pelo silêncio e pelo desnudamento, como num ritual de purificação, evidenciado pela água e pela forma redonda das bacias que enchem o espaço da cena.

O final é marcado pelo retorno à imagem inicial, e o silêncio  é rompido pelo mesmo som vibratório do começo, o que faz com que o espetáculo retorne ao ponto inicial, fechando em redondo e salientando que o fim retorna ao início, onde as coisas voltam a se constituir outra vez da mesma maneira e outra vez seguirão a mesma trajetória, recompondo-se num ciclo sem fim.

Sobre esse fato Campbell resume:
“O mundo todo é um círculo.Todas as imagens circulares refletem a psique”. (p.123)

Os trechos citados nesta análise foram retirados da obra:
O Poder do Mito, de Joseph Campbell com Bill Moyer, org. por Betty Sue Flowers, Tradução de Carlos Felipe Moises.. Associação Palas Atenas, São Paulo, 1993.

Maria Helena Grembecki
Mestre em Literatura Comparada USP
Ilha Bela, 07 de abril de 2007