O Poço da Mulher-Falcão
A partir de 1º de novembro, o Centro de Pesquisa Teatral do Sesc São Paulo (CPT_SESC) será transformado em um cenário místico e poético com a estreia do espetáculo de teatro-dança “O Poço da Mulher-Falcão“. A temporada se estende até 14 de dezembro, às quartas e quintas-feiras, às 20, e feriados, às 18h, no Sesc Consolação.
A montagem é inspirada na obra “At the Hawk’s Well”, do poeta e dramaturgo irlandês, William Butler Yeats. Com direção e dramaturgia de Emilie Sugai e Fabio Mazzoni, participação do performer Toshi Tanaka e figurinos de Telumi Hellen, a peça aborda a eterna busca da natureza humana pela transcendência e a procura pelo inacessível.
Três personagens principais compõem a ação dramática original: a guardiã do poço, que ora se transmuta em Mulher-Falcão, ora se manifesta como a feiticeira da floresta; o velho homem que, há cinquenta anos, vive ao lado do poço, com o desejo de encontrar a sabedoria interior divina e alcançar a imortalidade; e o jovem Cuchullain, herói da mitologia celta, que subitamente surge em cena, ávido por beber da mesma fonte milagrosa. No entanto, esse local é protegido pela enigmática guardiã, que se transmuta em um falcão, e dança de forma mágica, movendo-se como uma ave de rapina bela e ousada.
A dança é o “instinto de vida”, que aspira em reencontrar a unidade entre o corpo e a alma, numa busca pela libertação alcançada no êxtase. De acordo com os xamãs, é pela dança que se consuma a ascensão para o mundo dos espíritos. Com seus movimentos mágicos, a Mulher-Falcão revela seus poderes sobrenaturais, trazendo o velho e o jovem para a realidade da vida terrena. Yeats exprime, pelo poder de sedução da dança, a necessidade do homem de livrar-se do perecível. O falcão é a perseguição do abstrato, o jovem é a natureza contraditória do sacrifício e o velho, a amargura, solidão e egoísmo.
Além dos personagens da peça, a encenação dá vida a ‘seres imaginários’, numa referência à obra “O Livro dos Seres Imaginários”, de Jorge Luis Borges, desempenhando um papel central na representação da conexão entre corpo e alma, e que emergem da escuridão, ligando-se às histórias pessoais dos artistas, e evocando mestres e ancestrais. A narrativa é conduzida por uma coreografia que busca conectar o corpo individual ao coletivo, com influências do Suriashi japonês (deslizar com os pés) para trazer o mundo poético do corpo performativo, e uma aproximação com o butô pelo aspecto da leveza e do luminoso.
Com poucos elementos cênicos, a produção concentra-se na força do corpo, na sonoridade das vozes e em uma trilha sonora envolvente. O espaço é vazio, em um ambiente de pouca luz, onde sons de pássaros ecoam, e uma atmosfera de obscuridade e magia se desvela. Esta ausência de cenário, inspirada pelo minimalismo do Teatro Nô japonês, reflete a busca de Yeats por uma simplicidade que pudesse expressar a harmoniosa síntese de ideias, sentimentos e imagens.
Por outro lado, o figurino, apesar de parecer disforme à luz, ganha sentido quando explorado o conceito de sombra e luz, tornando-se um elemento estético, inspirado por artistas como Bosch e Caravaggio.
‘O Poço da Mulher-Falcão’ é o resultado desse experimento, uma obra que transcende fronteiras culturais, unindo de maneira única a tradição oriental com a interpretação ocidental.
O espetáculo é uma celebração da dança, conduzida por Emilie Sugai, expoente da dança butô no Brasil e enaltecida pela participação do performer Toshi Tanaka. Além disso, é marcada pelo trabalho de encenação concebido pelo diretor Fabio Mazzoni, inspirado pela forma de dirigir do encenador Antunes Filho, que o influenciou em sua formação durante a trajetória no CPT. Mazzoni cria imagens poéticas a partir dos elementos cênicos e objetos do próprio cenário, como o uso dos “panelões” de luz, que se integram perfeitamente à performance dos atores e atrizes, conferindo dinamismo à narrativa dramatúrgica e convidando o público a mergulhar no universo lúdico proposto pela interpretação e encenação.